A cachaça Santo Mario é uma verdadeira expressão da tradição e herança dos imigrantes italianos na produção de cachaça no interior de São Paulo. O Engenho Santo Mario exemplifica essa história, que começa com Baptista Seghese, um imigrante que, fugindo das dificuldades causadas pela Primeira Guerra Mundial na Europa, chegou ao Brasil no início do século XX. Originário de Bérgamo, no norte da Itália, Baptista encontrou no interior paulista uma nova paixão: a cachaça, que o remetia à grappa, tradicional destilado italiano.
Assim como os Seghese, outras famílias italianas também mantêm seu legado na produção de cachaça em São Paulo. Entre elas, destacam-se as famílias Foltran, Pavão, Cembranelli, Tonolli e até um ramo da família Jannuzzi, que produz cachaça em Caçapava há mais de 100 anos. Falar sobre a produção de cachaça no estado é também revisitar a rica história da imigração italiana em São Paulo.

No entanto, hoje nossa história se concentra na família Seghese e em seu tradicional alambique em Catanduva.
Baptista começou a produzir cachaça de forma artesanal, utilizando equipamentos improvisados e cana-de-açúcar recolhida nas estradas de Piracicaba. Seu talento autodidata e dedicação resultaram em uma cachaça de qualidade, e sua família deu continuidade ao legado.
Nos anos 1980, seu filho Mario, com espírito empreendedor, fundou oficialmente o Engenho Santo Mario em Catanduva. Visionário, Mario lançou o Museu da Cachaça como uma estratégia para atrair visitantes, oferecendo um desafio criativo: quem trouxesse uma nova cachaça para a coleção ganharia uma garrafa da Santo Mario como brinde. Essa iniciativa resultou na criação de uma das maiores coleções de cachaça do interior de São Paulo, com mais de 5.000 garrafas, incluindo raridades como a Caninha Pelé, de 1958. Até hoje, o Museu Santo Mario se mantém como uma atração de destaque na região.

A cachaça Santo Mario destaca-se pelo processo de fermentação com leveduras selecionadas pela startup Smart Yeast, sob a supervisão do especialista Cauré Portugal. Este método consiste em isolar a levedura local mais adequada para o processo de fermentação e utiliza-la todas as safras. O processo garante consistência e valoriza o terroir.
Após a fermentação, a cachaça é destilada em um alambique de três corpos (alambique Alegria) batizado de Jandira, esposa de Mario Seghese, que, no início da produção, auxiliava na destilaria enquanto preparava licores e aguardentes, ainda hoje parte do portfólio.

Na adega, os produtores possuem uma seleção de barris e dornas de madeiras variadas, entre elas: amendoim, amburana, castanheira, carvalho americano, carvalho francês, canela sassafrás, bálsamo e jequitibá-rosa.

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Para este artigo, selecionei falar sobre a Santo Mario Amendoim por ela representar um marco importante na minha trajetória como avaliador de cachaças. Ela foi uma das primeiras cachaças que avaliei com rigor em uma análise sensorial, como parte do meu desenvolvimento como degustador. Em meados 2012, eu ainda tinha pouca experiência e referências sensoriais, mas um sabor específico me chamou a atenção: o de água de coco. É possível uma cachaça ter esse sabor? A Santo Mario me provou que sim e expandiu meus horizontes, fazendo-me perceber que a cachaça, mesmo sem madeira, pode ser tão complexa quanto o vinho e o whisky.
De aparência incolor e límpida, a Santo Mario Amendoim oferece um aroma amanteigado, com notas de castanhas e leite de coco. No paladar, há toques de melado, água de coco e castanhas, com uma textura aveludada e agradável. O final tem duração média, com uma doçura sutil e presença de amêndoas.
Faço uma conexão entre as notas de castanhas e coco (leite de coco e água de coco) com o armazenamento da cachaça por um ano em grandes dornas de madeira amendoim bravo de 10 mil litros. Embora as dornas sejam de grande volume e já antigas, a madeira amendoim ainda oferece suas contribuições sutis ao destilado.
Essas características tornam a Santo Mario Amendoim uma cachaça delicada, em que o amendoim contribui para arredondar o sabor e proporcionar uma textura macia, resultando em uma alta bababilidade. As nuances de castanhas e coco nos remetem a uma interessante releitura da Piña Colada criada pelo meu amigo bartender Junior WM.
Agora, a destilaria Santo Mario é mantida e aprimorada pela nova geração da família, sob a liderança de Sérgio e Fábio Seghese, filho e neto de Mario e Jandira, que continuam a preservar a tradição da cachaça de alambique paulista, mantendo vivo o sonho de Baptista Seghese.

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Em 2010, Felipe Jannuzzi fundou o Mapa da Cachaça, premiado projeto cultural com reconhecimento internacional e a principal referência sobre cachaça no mundo. Felipe é um dos sócios fundadores da Espíritos Brasileiros, empresa pioneira no mercado de produção de gin no Brasil, responsável pelo premiado Virga, primeiro gin artesanal brasileiro e o único no mundo que leva doses de cachaça na receita. Desde 2021, é um dos sócios da BR-ME, empresa especializada em produtos brasileiros, como vinhos, cafés, azeites, queijos e chocolates.
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