Lançamento de Cachaça, história e literatura, de Joana Monteleone e Maurício Ayer (orgs.), traz novas contribuições para entender a história e o imaginário do destilado brasileiro, e ainda inclui ensaio de Mário de Andrade publicado originalmente em 1944 e que ainda era inédito em livro.  

Passado o Carnaval, no sábado “de cinzas”, 17 de fevereiro, será lançado em São Paulo o livro Cachaça, história e literatura, de Joana Monteleone e Maurício Ayer (orgs.), pela Alameda Editorial. A obra reúne contribuições de historiadores e críticos literários que se dedicaram a estudar os lugares sociais e culturais que a aguardente-de-cana tem assumido na sociedade brasileira ao longo da história. O volume também inclui a transcrição, inédita em livro, do ensaio “Os eufemismos da cachaça”, de Mário de Andrade, texto muito procurado e que agora fica facilmente acessível para todos os leitores. 

Sabe-se que a aguardente-de-cana, no Brasil Colônia, serviu como moeda de troca no tráfico negreiro; porém, em paralelo, veio a tornar-se bebida ritual nas religiões afro-brasileiras, utilizada em práticas de culto por esses mesmos escravizados e seus descendentes. Essa cachaça, que é estigmatizada como bebida barata, ligada às mais baixas posições da escala socioeconômica e frequentemente associada à degradação social pelo alcoolismo, poderá, invertendo sua significação, ser evocada como símbolo de brasilidade, portadora dos mais legítimos atributos da nacionalidade brasileira.

Por todas essas ambivalências e contradições, a cachaça rende muito à pesquisa. Sua ampla circulação na sociedade brasileira, cumprindo uma infinidade de funções, continua a provocar os pesquisadores a estabelecer nexos entre os mais diversos contextos de sociabilidade. Como os citados rituais religiosos, a hospitalidade caipira, sertaneja ou caiçara, os usos medicinais, a culinária e a diversão báquica ou exusíaca, para citar apenas alguns, atravessados de sentidos culturais, políticos, sociais, econômicos…

O livro Cachaça, história e literatura não tem nenhuma pretenção de esgotar o tema, longe disso. Reúne oito ensaios e um punhado de crônicas, e pretende ser muito mais um convite a que pesquisadores de diferentes áreas se interessem por estudar mais detidamente a cachaça – e produzir novas contribuições.

Cachaça História e Literatura

Em oito ensaios, um pouco da riqueza da caninha

Co-organizadora e autora do livro, a historiadora Joana Monteleone afirma que “nada é simples ou evidente quando nos debruçamos sobre uma bebida que faz parte da história, da vida e do imaginário do brasileiro há séculos”. Ela destaca que, “ao longo do tempo, [a cachaça] figurou na maioria das vezes fora do centro das atenções, dos registros, dos escritos”. Co-organizador e autor, o crítico literário e professor Maurício Ayer complementa: “é notório que a cachaça costumou circular principalmente pelas margens da sociedade, associada a categorias sociais subalternas e, não raro, exercendo papéis, no mínimo, ambíguos”. Por isso mesmo, a cachaça suscita muita curiosidade de quem quer ir além do gole e degustar cultura junto com a bebida. O livro foi então concebido em diálogo com os autores e procura responder questões que frequentemente se colocam aos interessados pela cachaça e sua história.

Uma dessas questões é o próprio nome da caninha. Hoje, a legislação diz com precisão o que é cachaça e o que é aguardente, mas historicamente não foi sempre assim. Em seu artigo publicado no livro, o historiador Renato Pinto Venancio identificou os diferentes nomes das bebidas de cana-de-açúcar no Brasil Colônia, um estudo que certamente será muito útil para quem quiser estudar a aguardente neste período. Por outro lado, o mencionado ensaio de Mário de Andrade é também uma investigação sobre os jeitos de nomear a cachaça; só que o escritor e etnólogo está atento aos sentidos a linguagem ao mesmo tempo guarda e revela.

Em conversa com o autor paulista, historiador Lucas Brunozi Avelar foi estudar nos manuscritos de Mário de Andrade, reunidos nos arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, e lá procurou todas as anotações que ele fez sobre a cachaça. E esse fio leva até o artigo de Joana Monteleone: a historiadora mostra como a cachaça foi alçada à categoria de “símbolo nacional” justamente por uma geração de folcloristas em meio a um debate do qual participaram tanto o mestre do modernismo paulista quanto Câmara Cascudo e, objeto de sua atenção, o sergipano José Calazans, autor do primeiro livro sobre a bebida publicado no Brasil, Cachaça, moça branca.

A presença da cachaça nas grandes cidades inspirou dois estudos incluídos no livro. O historiador João Luiz Máximo da Silva pesquisou como era o consumo da bebida na cidade de São Paulo no final do século XIX. E o crítico (e também historiador) Fabrício de Araújo César Gonçalves analisa como a cachaça aparece na obra de um dos maiores letristas da música popular brasileira, o carioca Aldir Blanc. A cachaça que é servida nos ebós a Exu também faz de Rio e São Paulo duas verdadeiras encruzilhadas entre mundos e imaginários.

Indo da cidade aos sertões, temos os dois outros ensaios. A historiadora Rafaela Basso mostra como a aguardente teve um papel importante nas expedições empreendidas pelos bandeirantes paulistas (e seus descendentes) entre os séculos XVII a XIX. Por outro lado, é  a própria ideia de expansão de fronteiras para o sertão que está em jogo no conto “Meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, estudado pelo crítico Maurício Ayer. Segundo Ayer, “este conto é um dos textos literários mais densas no que se refere à cachaça”, que tece um jogo de perspectivas entre o projeto colonizador e o mundo indígena que resiste. 

Fechando a série de estudos, o livro traz um conjunto de quinze crônicas do escritor mineiro Mouzar Benedito, todas elas tendo a caninha como mote ou tema. São as suas “crônicas cachaceiras”, a maior parte delas situada no interior de Minas Gerais, onde Mouzar nasceu e se criou, se achou e se perdeu. 

Sobre os organizadores do livro Cachaça, história e literatura

Joana Monteleone é editora e historiadora, autora de Sabores urbanos: alimentação, sociabilidade e consumo (Alameda Casa Editorial, 2015) e Toda comida tem uma história (Oficina Raquel, 2017). Realiza pesquisas sobre consumo, gastronomia e moda e atualmente faz pós-doutorado na Cátedra Jaime Cortesão do Departamento de História da Universidade de São Paulo.

Maurício Ayer é professor, tradutor e autor de obras musicais, dramáticas e literárias. Desde 2014, desenvolve pesquisa sobre “Os lugares da cachaça na literatura brasileira”, tema sobre o qual publicou artigos e ensaios. Graduou-se em música/composição pela Faculdade Santa Marcelina (2000) e tem doutorado (2006) e pós-doutorado (2016) em literatura francesa pela FFLCH/USP, onde foi professor substituto de 2018 a 2021.

Sumário do livro Cachaça, história e literatura

Introdução, p. 7

No reino do impalpável: os significados da cachaça,

de Renato Pinto Venancio, p. 15

Os eufemismos da cachaça,

de Mário de Andrade, p. 39

A pancada do Ganzá: Mário de Andrade e a cultura da cachaça,

de Lucas Brunozi Avelar, p. 45

Identidade, folclore e gosto em Cachaça, moça branca de José Calasans,

de Joana Monteleone, p. 81

Na beira, no breu: cachaça e metamorfose em “Meu tio o Iauaretê” de João Guimarães Rosa,

de Maurício Ayer, p. 103

Um remédio para as mazelas do sertão: os usos da aguardente de cana-de-açúcar nas expedições sertão adentro (séculos XVII- XIX),

de Rafaela Basso, p. 161

“Ébrios, vagabundos e desordeiros”: a cachaça nas ruas de São Paulo de fins do século XIX,

de João Luiz Maximo da Silva, p. 183

Feitiço indecente: a cachaça na obra de Aldir Blanc,

de Fabrício de Araújo César Gonçalves, p. 209

Crônicas cachaceiras,

de Mouzar Benedito, p. 247

Lançamento

Onde: Restaurante Rota do Acarajé

Endereço: Rua Martim Francisco, 530, Santa Cecília, São Paulo – SP

Data: 17/fev, sábado

Horário: a partir das 14h

Para adquirir o livro Cachaça, história e literatura

https://www.alamedaeditorial.com.br/historia/cachaca-historia-e-literatura-de-joana-monteleone-e-mauricio-ayer-orgs

Contatos para entrevistas

Maurício: [email protected]

Joana: [email protected]

Coleções

Uma seleção dos melhores artigos do Mapa da Cachaça em diferentes tópicos

Produção de cachaça

30 artigos

Envelhecimento de cachaça

15 artigos

História da cachaça

12 artigos

Como degustar cachaça

18 artigos

Coquetéis clássicos

14 artigos

Cachaça e Saúde

7 artigos

O melhor da cachaça no seu e-mail

Assine o Mapa da Cachaça

loading...