Felipe Jannuzzi

Visitando a Cachaça Havana de Anísio Santiago

  • Publicado 11 anos atrás

Anísio Santiago (1912-2002) foi o responsável pela fabricação e sucesso da cachaça Havana, produzida em Salinas (MG), cidade que se tornou referência entre todos os produtores de cachaça do país. Nesses dois anos pesquisando sobre o destilado brasileiro, eu conheci em livros e artigos a fama de Anísio Santiago, mas precisava ver de perto sua fazenda em Salinas para poder realmente entender esse personagem tão importante para a história da cachaça artesanal.

Na semana passada, tivemos a oportunidade de conhecer Salinas e seus alambiques quando fomos convidados pela APACS para participar do XI Festival Mundial da Cachaça. O alambique da Cachaça Havana era destino certo para nós e nossos companheiros de viagem, que temos em Anísio Santiago um exemplo de como uma cachaça feita com muito trabalho e dedicação pode conquistar o Brasil e o mundo pela sua qualidade, simplicidade e história.

Oswaldo Santiago

Salinas é uma cidade pequena do norte de Minas Gerais, próxima à Bahia, com pouco mais de 39 mil habitantes e envolta por uma bonita região dominada pelo cerrado de clima semi-árido. Como de se esperar, fez muito calor nos dois dias que passamos na cidade, que costuma ver chuva apenas em março e abril, meses que continuaram secos obrigando os produtores a reduzirem a alambicagem desse ano.

Mas posso afirmar, com conhecimento de causa, que cachaça não falta naquela terra. O principal apelo turístico de Salinas é a sua produção de cachaça que chega aos 4 milhões de litros por ano produzidos pelos mais de 25 fabricantes artesanais responsáveis por mais de 50 marcas.

Apesar de não ter visto muita plantação de cana-de-açúcar, as cachaças locais estão em todos os lugares. Quando chegamos lá, fomos dar uma olhada nos preparativos para o Festival da Cachaça e vimos uma cidade que tem no destilado o centro da sua economia e cultura.

Todos os principais produtores têm suas próprias cachaçarias para a comercialização da bebida e várias lojinhas do centro da cidade divulgavam seus produtos ao lado de autênticas cachaças salinenses. Já viu uma vitrine vendendo roupas masculinas e garrafas de cachaça? Em Salinas eu vi!

loja em Salinas vendendo cachaça

Loja de roupas em Salinas, Minas Gerais

Fica difícil imaginar Salinas sem as suas cachaças e pensando nesse casamento entre o destilado e a cidade, entendemos ainda mais a importância de Anísio Santiago. Na década de 1970, com o sucesso da Havana, em pouco tempo surgiram novas marcas que se tornaram tradicionais como a Boazinha, Seleta, Salinas, Indaiazinha, Lua Cheia, dentre outras.

A fama do produtor da Havana colocou Salinas no mapa da produção das cachaças artesanais de qualidade, aumentando o volume de produção e trazendo renda, empregos, turistas e notoriedade ao município.

Seguindo uma receita vencedora, os produtores salinenses têm na Havana e em Anísio Santiago referencias para a sua produção, como uma forma de padrão de qualidade. Praticamente todas as marcas que encontrei por lá são, assim como a Havana, envelhecidas em bálsamo, madeira que dá à cachaça uma coloração amarelo-ouro e um sabor que lembra o anis. A admiração local pelo produtor desafia até os princípios de competição de mercado, quando outros cachaceiros classificam a Havana como a melhor cachaça do Brasil, como afirmou inúmeras vezes o Sr. Ivo Morais, produtor da Cachaça Pelicana.

alambique da cachaça Anísio Santiago
Alambique de cobre usada para destilar a famosa cachaça Havana/Anísio Santiago

No alambique das cachaças Havana e Anísio Santiago, gravamos um vídeo com Osvaldo Santiago, filho de Anísio e atual produtor da tradicional cachaça salinense. No vídeo, Osvaldo comenta a admiração que tem pelo pai e da sua importância para a cidade de Salinas e para a cachaça artesanal.

O mito da Cachaça Havana foi construido em cima da sabedoria de um produtor que, mesmo com a fama, manteve sua produção em pequena escala, com apenas 6 mil litros por ano, sempre primando pela qualidade e envolvendo sua cachaça em causos, mitos e fatos que funcionaram muito melhor do que qualquer campanha elaborada por marqueteiros. 

Um exemplo que ajudou a divulgar a cachaça foi quando a família Santiago perdeu o direito de utilizar a marca, processada pelo rum Havana Club, e por isto passou a rotular as garrafas com o nome Anísio Santiago”. O processo fez com que Salinas e sua mais famosa cachaça virassem pauta em diversos jornais e revistas mundo afora. Ao final do ano passado, no entanto, um corajoso juiz peitou a causa e a cachaça conquistou novamente seu nome de batismo e voltou a se chamar Havana.

Anísio Santiago era um brasileiro simples, que gostava de um jogo de truco de vez em quando e que fazia cachaça de qualidade não pela grana ou porque gostava de beber (ele não bebia!), mas porque queria ver seu nome associado a uma cachaça especial – a qualidade estava acima de qualquer retorno financeiro.

Com honestidade, trabalho bem feito, Anísio fez sua fama por todo país, conquistando sempre as primeiras colocações em rankings nacionais e sendo unanimidade entre todos os especialistas.

Em fevereiro de 2012, Anísio completaria 100 anos de vida e acho que ficaria feliz em ver sua cachaça reconhecida como uma das principais do país, com uma garrafa custando mais de R$ 500 reais, recompensando seus esforços em não aumentar a quantidade em detrimento da qualidade. Ou não, talvez ele nem ligasse para isso, e se contentasse em apenas subir no seu caminhão Chevrolet Leadmaster adquirido no Rio de Janeiro em 1947 e partir para mais uma alambicada. 

Agora é tarefa dos familiares de Anísio Santiago e da cidade de Salinas manterem vivo o mito e seguirem a visão romântica do renomado produtor de que é possível produzir uma cachaça boa, em pequena quantidade, com tradição numa pequena fazenda longe das grandes capitais.

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