O capixaba André Scampini voltava de um almoço de Dia das Mães, em 2018, quando destilou pela primeira vez, ainda de forma caseira: a Cacahuatl. O profissional da área de tecnologia da informação e telecomunicações, usou a criatividade e um pequeno destilador de dez litros.
André já se aventurava na fabricação de bebidas como lazer. Depois de fazer alguns cursos e produzir cervejas, uísque, gin e cachaça para o consumo com os amigos, veio um desafio. Além de apreciador e mestre destilador nas horas vagas, ele é genro de um produtor de cacau de Linhares, cidade ao norte do Espírito Santo.
Os cacauicultores buscavam uma forma de aproveitar mais a fruta, agregando valor para além da commodity. Assim, as ideias se cruzaram: como produzia aguardentes, André pensou que poderia desenvolver um destilado fino de cacau para agregar valor à polpa, considerada subproduto. Só que no começo, esbarrou na falta de referências sobre o assunto.
Depois de muita pesquisa, a primeira alambicada agradou. André apresentou a aguardente de cacau e começou a distribuir o protótipo para os amigos mais chegados. Quando os elogios se transformaram em uma cascata de encomendas, teve a certeza de que estava no caminho certo.
O nome Cacahuatl homenageia a origem do chocolate. A palavra de pronúncia, aparentemente, complicada vem da antiga língua Náuatles, falada pelos povos astecas e significa “suco amargo”.
Mas diferente do caldo turvo e frio tomado pela nobreza das sociedades pré-colombianas, o destilado transparente produzido em Linhares remete ao doce sabor cítrico da fruta, com toques de amêndoa e chocolate amargo.
Já para soletrar como os antigos ameríndios, a dica é cortar a letra h e adicionar um som de “a.tle” no final de cacau, ficando assim: ca.ca.u.a.tle.
Ao aproveitar a polpa do cacau, a Cacahuatl cria uma nova e sustentável fonte de renda para os trabalhadores rurais, ao mesmo tempo em que apresenta uma oportunidade para alambiques de cachaça. Atualmente, a produção e o envase da bebida são terceirizados, em parceria com a Princesa Isabel, destilaria também sediada na cidade de Linhares.
O município é responsável por 85% da colheita de cacau do estado e, em 2012, recebeu o selo de Indicação Geográfica (IG) que reconhece a procedência e valoriza as características de produtos regionais.
O processo de produção foi adaptado da cachaça. No lugar do suco fresco de cana-de-açúcar, o mosto é preparado com o suco da polpa do cacau. Para cada garrafa do Cacahuatl, são necessários 150 frutos.
Apesar das semelhanças, o líquido transparente e aromático que sai do condensador não pode ser chamado de cachaça. O destilado é considerado uma aguardente de cacau, ou uma aguardente de fruta, como define a legislação brasileira no artigo 57 do Decreto 6871 de 2009.
“Não é cachaça. Não é mistura, composição ou infusão. A Cacahuatl é destilada no mesmo alambique, mas não leva cana, é feita 100% de cacau”, garante seu criador.
As aguardentes de fruta são bebidas com graduação alcoólica de 36% a 54%, que podem ser obtidas de destilado alcoólico simples de fruta ou, como é o caso da Cacahuatl, pela destilação de mosto fermentado de fruta.
O ‘pulo do gato’ da receita está na levedura. Seis cepas foram testadas, entre elas a CA-11 que é muito usada na produção da cachaça. André começou a pesquisar usando a experiência que tinha como cervejeiro e destilador caseiro.
Ele queria encontrar uma cepa especial que fizesse a reação perfeita para deixar a bebida aromática, frutada e que valorizasse as qualidades do cacau e da região produtora. Como o perfil químico e sensorial da bebida tem relação direta com o processo de fermentação, o tipo de fungo escolhido é guardado a sete chaves.
Mas o maior desafio veio do campo. Para o sucesso sensorial do destilado, foi preciso alterar o modo tradicional de processamento da fruta.
“Antes a ideia era simplesmente extrair a amêndoa e o resto não tinha muito valor”. Por ser altamente perecível, a mucilagem deve ser retirada com cuidado para evitar contaminação e seguir o quanto antes para processamento ou estraga. “Tive que criar processos e mudar paradigmas”
conta André Scampini
A receita da Cacahuatl teve o pedido de patente requerido, foi registrada como marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e como bebida no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
André abriu a empresa Velho Carvalho para tocar o negócio e participou do Programa de Qualificação para Exportação oferecido pela Apex-Brasil. Desde então, tornou-se parte de um movimento que busca incentivo aos produtos brasileiros regionais, com perspectivas promissoras no mercado interno e externo.
“A Cacahuatl é um destilado diferente, feito com uma matéria-prima exótica e as pessoas estão procurando e se encantando com essa novidade”. A aguardente de cacau linharense já participou como convidada de três feiras na Alemanha, além dos festivais de chocolate em São Paulo, Pará e Bahia. Amostras também foram enviadas para os Estados Unidos, Portugal, Bélgica, Suíça e Holanda.
A empresa tem apostado ainda no envelhecimento. André também desenvolveu um gin tendo como base o destilado de cacau e já prepara o lançamento de uma nova versão da receita de aguardente inspirada na fabricação tradicional de rum que usa melaço. A bebida promete ser ainda mais inovadora, “totalmente inédita e exclusiva no mundo”.
Uma seleção dos melhores artigos do Mapa da Cachaça em diferentes tópicos
Não há resultados correspondentes à sua busca.
ReporO melhor da cachaça no seu e-mail