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ReporApesar do hábito de consumir coquetéis ser bem antigo, foi na Golden Age da Coquetelaria (1840-1920) que a mixologia se desenvolveu de forma bastante plena.
Impulsionado pela Revolução Industrial, que entre as novidades trouxe uma máquina de gelo mais acessível, surgem também produtos ligados ao bar – como os bitters, coqueteleiras, colheres de bar, picadores de gelo e outros utensílios usados até hoje.
Em meus estudos, encontrei referências importantíssimas desenvolvidas nos anos dourados, como a publicação “The Bartenders Guide” (Jerry Thomas – 1862), que já organizava em livro os registros do que se bebia e as formas de preparo de ingredientes para coquetéis. Em meados de 1900, já era de conhecimento a existência de clássicos como Horse´s Neck, Manhatan, Rob Roy, Gin Fizz e muitos outros.
O autor de “Modern Mixologisty”, Tony Abou Ganin, diz que a ascensão da profissão e o hábito de beber coquetéis colocaram os bartenders da época ao mesmo nível de banqueiros e figurões políticos. O que talvez explique um dos motivos de grandes figuras como o Professor Jerry Thomas (“The Professor”) ter publicações de receituários e livros que se tornaram bestsellers.
Para a coquetelaria, analisando de maneira prática, ouso dizer que a construção dos sabores e aromas fundamentava a busca pela técnica. Digo isso pensando que nestes manuais os profissionais abordavam questões desconhecidas por profissionais da época, como, por exemplo, a preocupação do bater, mexer ou rolar o coquetel para resfriar. Encanta-me pensar que neste período, mesmo que de maneira empírica, e sem grande conhecimento de reações químicas ou físicas, os mixologistas se atentavam a detalhes tão minimalistas a fim de atingir o êxito da grande criação de um coquetel.
A impressão que tenho ao revirar os livros e receituários daquela época é de que se pensava muito em equilíbrio de bases alcoólicas com bases alcoólicas. Em detalhes que refinariam a bebida base melhorando sua complexidade ou mesmo corrigindo imperfeições. Esses são critérios que tento manter na hora de pensar nas minhas criações. Melhorar o que já é bom e manter o que é ótimo (ou transformar em incrível) a fim de oferecer experiências sensoriais marcantes.
Agora que já contextualizamos a Golden Age, posso contar sobre o convite que recebi do Mapa da Cachaça para criarmos uma receita para lá de conceitual, com uma cachaça que refletisse um pouco do que tenho para mim como o glamour da Golden Age.
Para entendermos a proposta do coquetel Ouro do Vale basta que prestemos atenção a quatro detalhes: cachaça, vermute, gelo e técnica.
Sobre a cachaça Sapucaia Real, por ser envelhecida em madeira (carvalho) por 18 anos, temos um destilado com perfil de consumo elegante e de proposta a se beber puro. Entretanto, lembrem-se que tenho como premissa melhorar o que já é bom e manter o que é ótimo.
No caso da cachaça em questão, que de tanta madeira lembra um rum e tem características de destilados de guarda longa, fato não muito comum no mercado da cachaça, quis manter a integridade de seu forte aroma e a sensação macia na boca utilizando um conceito que muito me agrada, o de que “menos é mais”.
Após intensas análises do produto (ou seja, após muitas doses pacientemente refletindo, com o copo e a garrafa) resolvi ir para o caminho de um coquetel que se comporta muito bem com destilados de madeiras e que valia a pena estar ligado também a uma cachaça amadeirada.
O Manhattan é em essência preparado com uísque americano, vermute e bitters. O que já podemos acompanhar como uma escala de variação de paladar e aroma bem ampla, visto que só de se falar em Bourbon e suas misturas e métodos diferenciados de envelhecimento, graduação alcoólica e notas, temos coquetéis muito diferentes quando se usa uma ou outra marca.
Mais além, uma vez que, o Manhattan, por ser preparado com “whiskey americano”, podemos levar em conta a clássica utilização de uísque de centeio (o rye whiskey), que tem aromas mais delicados e frutados de que os Bourbons. Ou mais adiante em nossa reflexão, os uísques escoceses, a turfa.
A variação de Manhattan quando feito nas mesmas medidas trocando o uísque americano por Scotch, seja ele blended ou Single Malt, dar-se o nome de Rob Roy, drink de consumo e paternidade ligado a primeira Era de Ouro dos coquetéis.
Com um conceito e bases bem definidas, ficou fácil entender os objetivos de minha missão. Encontrar um vermute tinto que acompanha o raciocínio de um destilado trabalhado por 18 anos em madeira. Algo que fosse refinado e que não deprecia-se o spirit em questão.
O Antica Formula foi o eleito para a ocasião por conter tradição e a história de fabricação de um estilo. É um vermute de Torino (Itália) com receita datada de 1786, criado por Guisseppe Benedetto Carpano. Em sua receita de vinho branco moscatel de Piemonte e vinhos tintos do sul da Itália, destacam-se notas a doce e leve amargor. A cor vermelha que se assemelha ao cobre ajuda a potencializar o belo castanho da Sapucaia Real 18.
Não menos importante, o gelo. Tive o cuidado de preparar e moldar a esfera em formato grande, para que a interferência de diluição fosse a menor possível.
Pensem em um grande coquetel preparado com um gelo de posto que liquefaz em instantes devido suas imperfeições de tamanho, textura e excesso de oxigênio em sua formação solida. No caso de um gelo artesanal, alguns cuidados são tomados para que tenhamos uma resistência maior e não águe o coquetel interferindo em demasia no sabor ou textura do drink.
Tendo em mente os ingredientes foi possível aprimorar a técnica adequada para o preparo do coquetel. Optei por mexer em mixing glass no intuito de resfriar sem muito derretimento do gelo, tão pouco agregar a oxigenação ao liquido. A quantidade mínima de vermute foi apenas um reflexo de notas a privilegiar as características que a cachaça já exibia. Por esta razão, apenas lavar o gelo e o copo foram suficientes para um resultado de um maior toque de doçura, amargor, complexidade aromática a frutas secas que se fundiram perfeitamente as notas da cachaça e um pequeno tom mais vívido no resultado final da coloração da bebida.
O coquetel Ouro do Vale foi completado com a única guarnição necessária para este coquetel sublime e delicado, o pó de ouro, que não agrega valor aromático ou sensorial gustativo, porém é reconhecido em grandes partes do mundo como ingrediente sofisticado de finalização de pratos de chefs renomados.
A escolha de um copo baixo de cristal e não uma taça, como alguns poderiam pensar, foi objetivamente para manter sobriedade e elegância, que são as características de coquetéis famosos também da Golden Age, como o Sazerac.
“Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”. Clarice Lispector
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