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ReporO dia estava com cara de outono. Sol forte e temperatura agradável no campo. E, ao telefone, a voz não escondia o sotaque.
“Me chamo Luiz Fernando Silva de Resende Chaves, mais conhecido como Nando Chaves”.
Nando é um típico mineiro de fala mansa e muita história pra contar. Ele voltava da lavoura, onde a “quebra” do milho começava. A colheita feita manualmente, como os antepassados dele faziam, marca o início de uma outra tradição por ali: a produção artesanal de cachaça.
“O alambique pertence a minha família desde 1755, sou a oitava geração que está aqui fazendo e bebendo cachaça”, revela com orgulho.
Conversar com o produtor é ter uma aula sobre a história do Brasil. Zootecnista de formação e mestre alambiqueiro por paixão, Nando é parente distante de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. A bisavó do tataravô dele era Antonia Rita da Encarnação Xavier, irmã mais nova do herói da Inconfidência Mineira.
Com 265 anos de história, o engenho Boa Vista é o estabelecimento mais antigo em funcionamento no país, segundo a Embratur (autarquia especial do Ministério do Turismo) e continua produzindo cachaça artesanal de maneira muito parecida como era feita nas origens do Brasil colônia.
O engenho está localizado na pequena cidade de Coronel Xavier Chaves (MG) – perto dos municípios de Tiradentes e São João Del Rey – região da apaixonante Estrada Real Mineira. A rota foi construída na época do Império para a passagem de ouro e diamantes que seriam enviados à Europa. Hoje, é destino turístico.
O prédio feito de pedra é tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional e ainda guarda a atmosfera e beleza bucólicos da época. Um bloco encontrado na fazenda, durante uma reforma, datava o ano de 1717. O que mostra que a construção do engenho é ainda mais antiga – tricentenária.
Nando conta que Tiradentes nasceu bem pertinho dali, na Fazenda Pombal, há apenas 12 quilômetros do engenho. Diz a lenda, que antes de ser executado, o mártir brasileiro teria pedido uma dose da cachaça produzida no alambique da família. O gesto seria um símbolo de resistência contra a Coroa portuguesa.
Se o patrono do Brasil conseguiu saciar a sede ninguém sabe, mas uma branquinha igual àquela pode ser degustada no mesmo lugar até hoje.
Nando brinca que produz cachaça para beber e vende o que sobra. A produção artesanal é limitada a 30 mil litros por ano.
Mas, o mineiro não gosta de beber sozinho, por isso, adora receber visitas. Aos sábados, os turistas podem fazer a degustação acompanhada de uma linguiça flambada no fogão de lenha.
Entre um gole e outro, Nando conta a história do parapeito de uma janela do engenho, marcado a faca. Aquele seria o canto preferido de Tiradentes para comer queijo e tomar cachaça. O “causo” prende a atenção e Nando avança na conversa.
“É uma responsabilidade muito grande. Carrego a obrigação de manter a fibra. Ele [Tiradentes] foi um grande herói e tenho muito orgulho de descender e viver onde ele viveu”.
Numa dessas conversas, há 27 anos, surgiu a parceria com a Natique da cachaça Santo Grau. O engenho Boa Vista produz a clássica Santo Grau Coronel Xavier Chaves. Uma cachaça branca, sem envelhecimento, equilibrada, doce e extremamente volátil. Apelidada pelo mestre alambiqueiro de “beijo roubado”, pois deixa um gosto de quero mais.
Ali também é produzida a cachaça Séc XVIII e Séc XVIII especial. A primeira é a autêntica “branquinha” pura, com teor alcoólico elevado no máximo que permite a legislação e sem diluição com água. Uma explosão de sabores descrita por Nando como “esquenta peito”.
Já a reserva especial é envelhecida em dornas de aço inoxidável. Mais suave e sutil é chamada de “cachecol de seda”, pois envolve e traz uma espécie de conforto térmico.
A cachaça artesanal produzida no engenho Boa Vista segue a mesma tradição e receita, passada de geração em geração, desde 1755. O processo lento exige uma paciência que é típica dos mineiros.
A cachaça é extraída pelo método caipira e usa fermento feito de fubá de milho. A destilação em alambique de cobre, tem fogo direto, alimentado pelo próprio bagaço desidratado.
“Nosso grande diferencial, além da receita genuína é o terroir. Uma soma do tipo de clima, tipo de solo, variedade cana – usamos a mesma há 90 anos – e a cultura do fazer, que tornam o produto ímpar”, explica.
A cana é plantada num terreno rico, às margens do rio Mosquito. Uma área conhecida como aluvião. Em tempos de cheia o leito do rio extravasa, inunda e fertiliza a terra naturalmente. O manejo é totalmente orgânico e na enxada. Preserva a mata ciliar e cria um ecossistema sustentável.
“Na minha lavoura de cana habita o fungo saccharomyces cerevisiae, que faz a fermentação alcoólica. Eu planto o milho próximo porque esse milho se contamina com o fungo”.
A safra de cana só começa depois que os grãos de milho, maduros e secos ao sol se transformam em fubá no moinho de pedra, movido a roda d’água, tão antigo quanto o engenho. Além do angu caipira, receita indispensável na fazenda, a farinha fina de milho vai para o fundo da dorna, para virar o fermento.
Nessa etapa, Nando conta que destampa uma garrafa de cachaça, enche o copo e fica por dias “namorando” as dornas até que o fungo se manifeste. Depois ele adiciona um pouco de caldo fresco de cana, para alimentar o crescimento das leveduras e quando atinge o volume necessário, está na hora de cortar e moer a cana.
Autenticidade é elemento muito presente nas cachaças Séc XVIII e Santo Grau – Coronel Chaves Xavier. A armazenagem não usa madeira. Uma opção do produtor. Para explicar o motivo, Nando empresta uma frase do pai, Rubens Resende Chaves, o Sr. Rubinho:
“A nossa cachaça não tem vergonha de ser cachaça!”.
Em dois séculos e meio, apenas duas modificações foram feitas na receita, para atender a legislação brasileira. A primeira foi a redução do teor alcoólico para que a bebida mantivesse a denominação de cachaça. A outra mudança aconteceu na forma de armazenamento.
Em Minas Gerais, o material mais abundante vem de recursos minerais, por isso, o engenho foi todo construído com blocos de rochas. O alambique é assentado numa fornalha de pedra e consequentemente, os tanques de armazenamento da cachaça também eram de pedra.
Quando as normas sanitárias mudaram, Nando precisou se adequar e optou por tanques de aço inox. Ele explica que o aço, assim como as pedras, não deixa a cachaça interagir com o ambiente externo, limitando as reações químicas entre as próprias moléculas da bebida.
“A madeira é porosa, a cachaça volatiliza, passa pelos poros e reage com o externo. Já a dorna de inox não interfere nas reações de estabilização”.
A qualidade do engenho Boa Vista tem sido reconhecida ano a ano, mantendo a cachaça Santo Grau Coronel Xavier Chaves e Século XVIII entre as melhores do país. E, se depender dos dois filhos de Nando, a tradição será mantida por mais gerações.
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