Remedin: a nova geração da cachaça de Brasília

  • Publicado 12 horas atrás

Tem nome de remédio — e de certa forma é. A Remedin é daquelas cachaças que curam o ceticismo de quem ainda duvida que no Centro-Oeste se faz destilado de alta qualidade. Entre veredas, chapadões e as trilhas onde até onças-pintadas rondam o entorno do alambique, está o Sítio Recanto da Paz, lar da Remedin. Ali, cada safra nasce da persistência de quem enfrenta o clima seco, a distância dos grandes centros produtores e até os animais ferozes.

O Centro-Oeste tem ganhado espaço no mapa da cachaça. A região reúne 52 estabelecimentos produtores, o que corresponde a 4,1% do total nacional, consolidando-se como um polo emergente e cada vez mais ativo. O Distrito Federal conta com 11 cachaçarias registradas, Goiás com 46, Mato Grosso com 11 e Mato Grosso do Sul com 7 — um conjunto ainda enxuto, mas que revela crescimento consistente e uma profissionalização cada vez maior.

Distante dos grandes volumes do Sudeste e do Nordeste, o Centro-Oeste vem construindo um caminho próprio: pequenas produções de alta qualidade, lotes limitados, identidade regional e aposta em técnicas modernas, sempre acompanhadas de forte compromisso com sustentabilidade. É uma região que entende que diferenciação nasce tanto do terroir quanto da criatividade de seus produtores.

É exatamente nesse cenário de pioneirismo que a Remedin ganha força. A marca nasce da paixão de Cid Faria e Claudia Gomes Chaves, casal de mineiros que há mais de duas décadas fincou raízes em Brasília e decidiu criar sua própria cachaça para sustentar o sítio — e, ao mesmo tempo, provar que, mesmo longe dos grandes polos canavieiros, é possível produzir um destilado de excelência.

A produção da Remedin

A propriedade possui 48 hectares, dos quais apenas três são destinados ao cultivo de cana. A fermentação utiliza levedura selecionada CA-11, sem adição de substratos, preservando a pureza do mosto. O alambique, alimentado por fogo direto, mantém viva a tradição artesanal e exige domínio de olhar, paciência e sensibilidade — virtudes que fazem da Remedin uma das cachaças mais interessantes da nova geração dos produtores do Centro-Oeste. A produção ainda é pequena: 11.500 litros nesta safra de 2025, dentro de um portfólio que inclui também a linha Gastrozinha e Casal Cachaceiro.

portfolio da remedin
Remedin, Casal Cachaceiro e Gastrozinha, as cachaças produzidas no Sítio Recanto da Paz em Brasília

Mas é com o trabalho de João Chaves, filho do casal e presidente da Associação dos Produtores de Brasília, que a marca ganha personalidade própria. João representa essa nova geração que entende que ser dono de uma marca de destilado é muito mais do que dominar o processo produtivo: é construir identidade, unir técnica e sensibilidade e comunicar propósito em um mercado competitivo e emergente — especialmente em uma região onde cada produtor é, de certa forma, um desbravador. Designer talentoso e empreendedor inquieto, João cria rótulos que contam histórias e traduzem o espírito do cerrado em cores, formas e traços — lembrando que uma boa cachaça também se “bebe com os olhos”.

O diferencial da Remedin dentro da garrafa

João tem se aventurado em novas fronteiras técnicas e sensoriais, explorando diferentes madeiras e processos para criar perfis inéditos. O carvalho americano da “Remedin Lei Seca”, inspirado nos grandes Bourbons, promete um caráter intenso e elegante – tive a oportunidade de provar, mas ainda sem data certa de lançamento.

Já a Remedin Defumada traz uma provocação rara na cachaça: um processo de defumação para adicionar camadas aromáticas mais associadas ao universo dos whiskies escoceses turfados — uma abordagem ousada, com enorme potencial para a coquetelaria brasileira. O lançamento está previsto para o final de novembro.

Jatobá-do-Cerrado, o único tostado que conhecemos

Remedin Jatoba do Cerrado Remedin: a nova geração da cachaça de Brasília

Entre as expressões já disponíveis, a que mais me chamou atenção foi a Jatobá-do-Cerrado, avaliada no Guia Mapa da Cachaça 2025 com 84 pontos, referente à safra 2023. Trata-se de uma reserva especial envelhecida de dez a doze meses em barris de jatobá de 200 a 220 litros, submetidos a tosta intensa. Encorpado e equilibrado, abre com especiarias — noz-moscada, cardamomo e canela — e revela dulçor de baunilha e ameixa seca – sabores pouco associados às outras cachaças que passam pela mesma madeira. Uma experiência inédita com jatobá tostado, madeira brasileira raramente explorada no envelhecimento da cachaça.

Gastrozinha, parceria com a chef Raquel Amaral

Gastrozinha 4 Madeiras Blend Remedin: a nova geração da cachaça de Brasília

Na mesma linha de inovação, a Remedin apresenta a Gastrozinha, criada em parceria com a chef Raquel Amaral (The Taste Brasil, MasterChef Profissionais 5). Envelhecida em quatro madeiras — carvalho europeu, amburana, jequitibá-rosa e jatobá-do-cerrado — a cachaça da chef recebeu 89,5 pontos (4 estrelas) no Guia Mapa da Cachaça 2025, tornando-se a mais bem avaliada do portfólio da Remedin. Com visual dourado escuro, aromas de especiarias, frutos cozidos e notas de castanhas e caramelo, entrega um paladar aveludado e complexo, que funciona tanto pura quanto em preparações culinárias, como flambagem de banana com sorvete de creme.

De Brasília para a Antártica

proantar - cachaça feita pela Remedin

A Remedin também fez uma travessia inusitada: do Cerrado para o gelo antártico, representando nossa cultura e nosso destilado em um projeto que já chega ao seu terceiro ano.

O comandante Moisés Mendes Ferreira, integrante do PROANTARPrograma Antártico Brasileiro, responsável pelas pesquisas e pela presença científica do Brasil na Antártica — se encantou ao descobrir uma cachaça de qualidade produzida em Brasília e decidiu levá-la como presente institucional em suas missões. Acostumado a receber whiskies, tequilas e outras bebidas típicas de delegações estrangeiras, ele quis retribuir com algo autenticamente brasileiro. Assim, a Remedin também virou cura para o frio do pólo Sul e cartão de visita para mostrar para tribulantes de todo o mundo o que é cachaça.

Sustentabilidade na prática

A Remedin também se destaca pelo compromisso com a sustentabilidade. A fazenda apoia comunidades locais, mantém parceria com o Ibama e participa de programas como a Área de Soltura de Animais Silvestres (ASA), colaborando com a reintrodução de araras no cerrado. A aparição, em setembro, de uma onça-pintada nas redondezas — notícia que ganhou repercussão nacional — virou símbolo da força natural que cerca e inspira o projeto.

O Festival da Cachaça de Brasília

João também está à frente do Festival da Cachaça de Brasília, evento que rapidamente se consolidou como um dos principais do país, unindo marcas, produtores, bartenders e consumidores. A próxima edição, marcada para maio de 2026, promete reforçar o papel da capital federal como novo polo de valorização da cachaça.

Um remédio para curar a sindrome de vira-latas

A história da Remedin sintetiza algo que me entusiasma na cachaça contemporânea: uma nova geração que alia técnica e propósito, sensorial e design, brasilidade e visão global, abrindo caminhos onde antes quase não havia trilhas. Gente como João Chaves compreende que o futuro da cachaça depende tanto do que está dentro da garrafa quanto das histórias que ela é capaz de contar — e das pessoas que ela é capaz de unir.

É uma dose do remedinho — daqueles que em moderação só fazem bem — para elevar a autoestima do produtor brasileiro e reforçar que temos tudo nas mãos para conquistar o mundo com o nosso destilado – do pólo norte ao pólo sul.

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Em 2010, Felipe Jannuzzi fundou o Mapa da Cachaça, premiado projeto cultural com reconhecimento internacional e a principal referência sobre cachaça no mundo. Felipe é um dos sócios fundadores da Espíritos Brasileiros, empresa pioneira no mercado de produção de gin no Brasil, responsável pelo premiado Virga, primeiro gin artesanal brasileiro e o único no mundo que leva doses de cachaça na receita. Desde 2021, é um dos sócios da BR-ME, empresa especializada em produtos brasileiros, como vinhos, cafés, azeites, queijos e chocolates.

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