Aqui em casa, tenho uma seleção de cachaças que representa o que a bebida brasileira tem de melhor. São garrafas que contam histórias diferentes: fermentações variadas, canas de diversas regiões, maturações em madeiras brasileiras e blends com madeiras europeias. Algumas vêm de alambiques sustentáveis, outras brilham pela tradição. Entre rótulos artísticos e informativos, há cachaças de cidades distantes e outras produzidas pertinho de mim, no interior paulista.
Mas agora preciso escolher apenas uma e com isso vivo o dilema de quem tem muitas opções. Uma única cachaça para harmonizar com uma cerveja. Só essa decisão já parece um primeiro gole – daqueles que fazem a gente refletir e tomar uma decisão. Com qual garrafa eu vou?
Olhei para a prateleira e fiz uma pequena lista com três garrafas que seriam bons casamentos. Pensei nas intensidades e semelhanças de sabores principalmente.
Porque é assim que fazemos os rituais: escolhendo boas bebidas para brindar as coisas da vida. E se eu escolho a vida bebendo menos, quero sempre beber melhor.
A cerveja que eu tinha para fazer essa harmonização era uma de receita belga, do estilo Dubbel. A Haikai foi uma collab entre três cervejarias: Japas, Dádiva e Duas irmãs, um projeto muito bacana que resultou em uma cerveja intensa, alcoólica e deliciosa. O nome faz inspiração aos poemas de três versos japoneses que têm a difícil missão de captar a essência de um instante. No caso aqui, de um gole.

Haikai é um vocábulo composto por duas palavras da língua japonesa: hai = brincadeira, gracejo; e kai = harmonia, realização.
Na boca ameixa, fruta seca, especiaria, caramelo, malte, amizade. Este estilo tem potência e doçura, corpo alto, enche a boca, combina bem com muitos pratos gastronômicos. Também significa tempo, não precisa ser bebida fresca e pode aguardar dentro da adega ou geladeira algum tempo.
Esta é uma cachaça premiada, e uma garrafa que fala por si só. Já tinha meio caminho andado. Armazenada por um ano em barris de amburana, de diferentes tamanhos e tostas, fazem um blend. O rótulo é simples, mas sofisticado. Tem 40%ABV.

“O cultivo da cana orgânica e uma fermentação natural com leveduras cultivadas na propriedade, são dois fatores determinantes para a qualidade da cachaça Da Quinta” aqui no Mapa da Cachaça você pode ler mais sobre essa cachaça.

Na boca, apresenta equilíbrio alcoólico, não é quente e sentimos a madeira amburana sobressair apenas em segundo plano, com adicional de notas leves de ervas, nada enjoativo. O aroma tem um vapor delicioso que mistura doçura, castanhas e especiarias, mas não de forma intensa. Gostei que na boca a Amburana não é a protagonista. Divide o palco com uma fermentação bem feita, sabor de cana, com dulçor agradável, um fundo de jasmim, especiarias e notas amadeiradas, típicas dessa escolha, leves e mais no fim do gole. Boa para ser degustada pura ou para coqueteis bem estruturados no simples. Pensei no “Nativo” da bartender Rachel Louise, do Tuju, que vai cachaça, camomila, uvaia e mel de abelha Borá.


A Cachaça da Quinta é produzida na Fazenda da Quinta, no município do Carmo, região serrana do Rio de Janeiro. A Mestre de adega é a Katia Alves Espírito Santo.
Ambas as bebidas trazem potência, mas a cachaça vai liderar esse quesito. O mais interessante é que quando a gente bebe a cerveja parece alcoólica, mas ao beber novamente, depois de uma ligeira bicada na cachaça, ela amansa e mostra suas frutas secas e sabores que estavam ali aguardando.

É como abrir uma gaveta antiga, onde os botões, linhas e uvas passas são esquecidos em memória afetiva do paladar. Tem uma madeira, doçura, tem sutileza, tem lembranças. Casar as duas bebidas em pequenos goles de um, depois de outro, depois novamente. A cor marrom se estende pelo paladar, como se fosse um gosto, mas é um registro. Madeira & Malte. De um lado potência, do outro textura.
Montei um prato começando por um Pastrami e um pão Bagel, mas depois adicionei um queijo, o Taleggio. Mordisquei. Bebi a cerveja. Temperei a boca com cachaça. Tudo que o tempo leva para fazer me agrada, me contenta.


Sabores a combinar
Renova o paladar.
Um pouco de água para aplacar.
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Desde 2002, Bia Amorim atua em hospitalidade, sommelieria, educação, marketing e operações. Foi gerente de marketing na Cervejaria Colorado, fundou a Por Obséquio e oferece consultoria em Alimentos & Bebidas. É Publisher da Farofa Magazine e lançou o livro “Guia da Sommelieria de Cervejas” em 2022.
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