Visitar a Fazenda do Anil para conhecer a produção da Cachaça Magnífica foi uma experiência enriquecedora. Encontrei uma estrutura totalmente preparada para receber visitantes e um portfólio que destaca o verdadeiro potencial da cachaça de alambique. Localizada no Vale do Café, essa região não é apenas rica em história e beleza natural, mas também proporciona uma imersão profunda na tradição e na cultura da cachaça.



A Magnífica nasceu em 1985, fruto do sonho de João Luiz de Faria e de sua esposa Cau, que buscavam resgatar a essência da cachaça de alambique. Produzida na Fazenda do Anil, entre Miguel Pereira, Paty do Alferes e Vassouras, a propriedade se estende por cerca de 90 alqueires — ou aproximadamente 4,3 milhões de metros quadrados — e abriga extensos canaviais que produzem mais de 100 mil litros de cachaça por ano.
Nos anos 1990, a fazenda enfrentou momentos difíceis, com a saída de alguns sócios e a deterioração das plantações e dos equipamentos. Foi então que João Luiz assumiu o desafio de recuperar a Fazenda do Anil, vendendo imóveis na Zona Oeste do Rio para financiar a revitalização dos canaviais, dos alambiques e das estradas que cruzam a propriedade, hoje repleta de trilhas entre altitudes de 750 a 850 metros.
Em 2002, após anos de produção artesanal, a Cachaça Magnífica foi formalmente registrada, marcando o início de uma nova fase de expansão. Com isso, a fazenda passou a seguir normas rigorosas de qualidade, o que abriu as portas para o mercado internacional. Atualmente, a Magnífica é exportada para países como Inglaterra, França, Alemanha e Itália.


Entre os aspectos que mais me fascinaram estão três elementos únicos no processo de produção: a locomotiva a vapor que movimenta a moagem da cana, o raro alambique de três corpos — o “Alambique Alegria” — e o sistema de envelhecimento pelo método de soleira.
O Alambique Alegria é um equipamento único num raio de 600 quilômetros e foi artesanalmente montado por ciganos que viviam na proximidade da Fazenda do Anil. Feito de cobre e dividido em três seções, esse alambique permite uma destilação precisa, que destaca a pureza e o sabor da cachaça. Como explica Raul, um dos responsáveis pela produção:
É como se a parte final do nosso coração sofresse uma bidestilação, eliminando qualquer elemento de cauda.”
Raul de Faria, segunda geração de produtores da Magnífica
Para quem deseja provar o resultado dessa destilação diferenciada, recomendo a Magnífica Bica do Alambique. Esse rótulo apresenta a cachaça branca em seu estado mais puro, sem grandes intervenções após a destilação, trazendo todo o frescor e o potencial da cana direto na taça.


O portfólio da Magnífica atende tanto aos cachaceiros raiz, que preferem uma cachaça pura e intensa, quanto aos apreciadores de bebidas amadeiradas, como rum e whisky. A marca oferece opções premium, extrapremium e até uma versão single cask, onde a cachaça engarrafada foi envelhecida em um único barril.
R$ 295 – comprar com o produtor
A Magnífica Soleira é um marco na cachaça da família Faria, um verdadeiro experimento que se tornou um dos ícones no portfólio da cachaça fluminense. Com 40% de teor alcoólico e até 15 anos de maturação em barris de carvalho americano, essa cachaça impressiona desde a primeira olhada: apresentada numa garrafa diferenciada, na taça revela cor dourada e lágrimas lentas. No nariz, é cheia de aromas que vão de caramelo e mel a frutas secas e baunilha. É uma cachaça encorpada e aveludada, ideal para beber pura, com ou sem gelo, seja antes ou depois de uma boa refeição.
A história dessa cachaça remonta a 2002, quando João Luiz Faria viajou para a Venezuela para ser jurado no Concurso Mundial de Bruxelas. Lá, ele descobriu o rum Santa Teresa e seu método de envelhecimento “solera,” onde o rum passa por uma série de barris em prateleiras, transferindo de uma camada para outra até chegar à base, a “soleira”. Esse processo dinâmico de envelhecimento, típico dos grandes rums e vinhos espanhóis, conquistou João Luiz, especialmente depois que o Santa Teresa Solera se destacou no concurso. Com a inspiração na cabeça e no paladar, ele voltou ao Brasil com a ideia ousada de adaptar a técnica para a cachaça.

Na destilaria Magnífica, montaram duas estruturas com barris de carvalho americano, uma com oito prateleiras e outra com sete. A cada 18 meses, metade da cachaça do nível mais baixo é engarrafada, e o barril é preenchido com cachaça do nível logo acima, repetindo o ciclo até o topo, onde uma nova carga de cachaça entra para dar início a mais um ciclo.
O próprio MAPA (Ministério da Agricultura) nem conhecia o processo, então foi preciso explicar cada detalhe e receber técnicos para que vissem o tal “envelhecimento dinâmico” ao vivo.
Cau Faria, produtora da Magnífica.
Hoje, o processo da Magnífica Soleira conta com 236 barris de carvalho cuidadosamente selecionados para oferecer o máximo em sabor e aroma. Com o aumento das vendas, a meta é produzir um lote de 3.000 litros por ano. Em cada garrafa, o tempo e a técnica se unem para criar uma cachaça singular, onde cada gole carrega a história e a dedicação da família Faria, que tem deixado sua marca na evolução da cachaça de alambique.
Ao deixar a Fazenda do Anil e me despedir de Raul, tive a chance de refletir sobre as verdades estampadas em sua camiseta, que, ao longo dessa década de descobertas pelo Mapa da Cachaça, pude confirmar com convicção. Muito mais do que aprender sobre técnicas de produção, aromas e sabores, o trabalho me proporcionou a oportunidade de fazer amizades valiosas, tanto no Brasil quanto no exterior. Essas conexões, construídas a partir da paixão comum pela cachaça, são, sem dúvida, um dos maiores tesouros dessa jornada.

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Em 2010, Felipe Jannuzzi fundou o Mapa da Cachaça, premiado projeto cultural com reconhecimento internacional e a principal referência sobre cachaça no mundo. Felipe é um dos sócios fundadores da Espíritos Brasileiros, empresa pioneira no mercado de produção de gin no Brasil, responsável pelo premiado Virga, primeiro gin artesanal brasileiro e o único no mundo que leva doses de cachaça na receita. Desde 2021, é um dos sócios da BR-ME, empresa especializada em produtos brasileiros, como vinhos, cafés, azeites, queijos e chocolates.
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