Não sei se Angelo Mello e Daniel Cembranelli se conheciam, mas suas cachaças poderiam ser chamadas de irmãs. As branquinhas de São Luiz do Paraitinga e Paraty são produzidas de maneira semelhante, em terroirs distintos, mas seguindo a mesma filosofia de produção.
Daniel Cembranelli trazia com orgulho e carinho a história de seus avós, que iniciaram a produção da cachaça Mato Dentro na década de 80 no Vale do Paraíba Paulista. Já Angelo Mello, da cachaça Coqueiro, nasceu com um dos sobrenomes mais importantes e consolidados no mundo da cachaça. A família Mello está entre as primeiras produtoras de cachaça em Paraty, com histórico de produção de aguardente que data de 1803.
As cachaças Coqueiro e Mato Dentro destacam-se por um estilo próprio de fazer cachaça, iniciado no litoral brasileiro. Elas seguem a Escola Caipira de produção, utilizando fermentação com leveduras selvagens e ingredientes para a formação do pé de cuba, como o fubá de milho, uma receita que remonta aos primórdios da produção de cachaça e se espalhou pelo interior de diversos estados brasileiros.
Além da fermentação, a maturação em madeira é um dos segredos dessas cachaças especiais. Tanto a Coqueiro Prata quanto a Mato Dentro Prata são armazenadas em amendoim, uma madeira brasileira que não interfere na cor nem nos aromas e sabores originais da cachaça, mas colabora dando maciez e leveza. É como se o amendoim ajudasse a domar uma cachaça intensa e potente, que nasceu para ser selvagem, equilibrando e arredondando seus sabores frutados e doces.
A tradição de Paraty seguida pela família Mello com a Coqueiro subiu a Serra do Mar e inspirou os alambiques de toda a região, mas foram os Cembranelli que melhor souberam seguir essa antiga arte de produzir branquinhas, fazendo da Mato Dentro a marca de cachaça mais importante do Vale do Paraíba.
Apesar de valorizarem a tradição, Angelo e Daniel eram jovens inquietos que sabiam como poderiam contribuir para fortalecer o legado familiar. Eles entendiam que fazer cachaça não se trata apenas de manter práticas antigas, mas também de buscar inovação em um mercado competitivo e em constante evolução.





Angelo era entusiasta da coquetelaria com cachaça. Inspirado no “Jorge Amado” e na “Gabriela, Cravo e Canela“, coquetéis presentes nos principais cardápios de bares e restaurantes de Paraty, a Coqueiro criou sua própria versão de coquetel com cachaça, batizado na obra do famoso autor baiano, o drink “Tereza Batista”.
Ao preparar suas receitas com aguardentes e licores, Angelo também valorizava uma outra tradição familiar. Sua avó e sua mãe produziam licores de cachaça aproveitando as frutas e especiarias da época. Devotas de São João, as festas de família ainda contavam com o quentão feito de caramelo de açúcar, gengibre, cravo e canela. Indispensável nas festividades juninas, as aguardentes da família Mello se popularizam em Paraty e inspiram toda uma geração de bartenders e apreciadores. As aguardentes com frutas fazem parte do que podemos chamar de uma coquetelaria brasileira.
Daniel Cembranelli, por sua vez, introduziu novas madeiras na adega da Mato Dentro, como a jaqueira, com o desejo de criar uma versão que se destacasse entre as melhores do Brasil – uma meta que ele alcançou com sucesso. Ele também foi responsável por outra novidade: os blends com várias madeiras representados pela linha Reserva do Fundador, uma trilogia criada em homenagem aos avós Sr. Rômulo e Sra. Aparecida Cembranelli, por quem Daniel demostrava ter enorme carinho. A Origem, lançada em 2020, a Bodas em 2021, e a Herança, que será lançada no mercado em julho de 2024, são um tributo à tradição familiar e ao legado deixado pelos homenageados, tendo Daniel agora um desses nomes que merecem ser lembrados e brindados.




Como parte dessa nova geração, sinto que somos todos do mesmo time, unidos pelo objetivo de resgatar o passado do destilado mais antigo da América, sem deixar de olhar para um futuro promissor. Em pouco tempo, Angelo e Daniel contribuíram significativamente para esse propósito e seguiam nessa missão com leveza, humor e paixão.
A memória de Angelo Mello e Daniel Cembranelli viverá através das cachaças Coqueiro e Mato Dentro, e através de todos nós que tivemos o privilégio de conhecê-los. Que suas histórias continuem a inspirar novas gerações de produtores e profissionais da cachaça, mantendo viva a rica cultura do destilado brasileiro.
Expresso todo o meu carinho e profunda admiração às famílias Mello e Cembranelli.

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Em 2010, Felipe Jannuzzi fundou o Mapa da Cachaça, premiado projeto cultural com reconhecimento internacional e a principal referência sobre cachaça no mundo. Felipe é um dos sócios fundadores da Espíritos Brasileiros, empresa pioneira no mercado de produção de gin no Brasil, responsável pelo premiado Virga, primeiro gin artesanal brasileiro e o único no mundo que leva doses de cachaça na receita. Desde 2021, é um dos sócios da BR-ME, empresa especializada em produtos brasileiros, como vinhos, cafés, azeites, queijos e chocolates.
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