Xaxado, a versão com lascas de carvalho francês da Engenho Nobre

  • Publicado 1 ano atrás

Descubra como produtores como Engenho Nobre e Weber Haus estão inovando com cachaças que combinam técnicas tradicionais e o uso de lascas de carvalho, como a Nobre Xaxado.

O uso de fragmentos de madeira para condicionar bebidas alcoólicas não é uma prática recente. Há mais de seis décadas, essa técnica vem sendo estudada e aplicada, especialmente no exterior, onde já é adotada formalmente em vinhos e destilados, inclusive com respaldo legal. Desde 2006, a União Europeia autorizou oficialmente o uso de extratos de carvalho em vinhos (Regulamento N. 1507/2006), validando a eficácia da prática.

No Brasil, durante minhas visitas a alambiques de norte a sul, observei o uso de chips, maravalhas, serragem, aduelas e resíduos de produção de barris e dornas por produtores de cachaça. Até então, essa prática enfrentava resistência e deveria ser condenada por dois motivos principais:

  1. Engano ao consumidor: O uso desses fragmentos era visto como uma maneira de ludibriar o comprador, que acreditava estar adquirindo uma cachaça envelhecida em barril, quando, na realidade, tratava-se de uma bebida macerada com madeira.
  2. Falta de controle e padronização: O material utilizado nem sempre seguia critérios de qualidade, resultando em uma cachaça desequilibrada, com excesso de sabor amadeirado, semelhante a um “chá de madeira”.

A virada ocorreu com a legislação brasileira de 2022, com a Portaria MAPA nº 539, de dezembro de 2022, que regulamentou o contato da cachaça com fragmentos de madeira. A partir dessa mudança, tornou-se possível agregar características sensoriais distintas ao destilado, de acordo com a madeira utilizada.

Essa nova regulamentação trouxe dois avanços significativos para o mercado de cachaça:

  1. Transparência com o consumidor: Agora, os rótulos devem informar claramente, de maneira ostensiva, o uso de fragmentos de madeira, especificando o tipo de fragmento e a espécie da madeira.
  2. Padrão de qualidade: Empresas especializadas começaram a fornecer fragmentos de madeira produzidos com tecnologia de ponta, como chips, cubos, duelas e lascas, que passam por processos controlados de tostagem, como queima direta e infravermelho. Essas soluções garantem padrões de qualidade superiores e constância no produto final.

Duas empresas já se destacam nesse mercado: Dornas Havana, que oferece cubos de madeiras brasileiras virgens e tostadas, e Premier Pack, que importa fragmentos de carvalho francês e americano da ISC, com perfis variados de tosta, já utilizados em cachaças, vinhos e cervejas.

O potencial das lascas de madeira na indústria de bebidas

Na minha percepção, o uso de fragmentos de madeira, como dadinhos e lascas, no mercado da cachaça, não substitui o envelhecimento tradicional em barris e dornas, que oferece benefícios sensoriais únicos adquiridos ao longo de meses ou anos em recipientes de madeira porosos e armazenados em adegas climatizadas. No entanto, a regulamentação do uso desses fragmentos pode trazer algumas vantagens importantes:

  1. Agilidade na inovação: A introdução de fragmentos permite ampliar o portfólio de produtos, acelerando a criação de novas cachaças com perfis sensoriais diferenciados.
  2. Estudos avançados: A prática abre novas oportunidades para a pesquisa sobre a biologia vegetal e as características sensoriais das madeiras brasileiras, fomentando o desenvolvimento do setor.
  3. Valorização dos métodos tradicionais: Ao incluir cachaças envelhecidas (premium e extra-premium) e cachaças condicionadas em fragmentos de madeira no mesmo portfólio, os produtores podem reforçar o valor dos métodos tradicionais de envelhecimento.
  4. Preços mais acessíveis: O uso de fragmentos de madeira pode reduzir os custos de produção, resultando em cachaças com características amadeiradas a preços mais competitivos para os consumidores.
  5. Proteção das espécies nativas: Se a comercialização de fragmentos for feita de maneira responsável, por empresas comprometidas, há o potencial de reduzir a pressão sobre espécies de madeira nativas ameaçadas de extinção.

Dessa forma, o uso de fragmentos de madeira se apresenta como uma alternativa inovadora, sem deixar de valorizar os métodos tradicionais, trazendo benefícios tanto para produtores quanto para consumidores e o meio ambiente.

A Engenho Nobre Xaxado, lascas de carvalho francês high toast

Experimentos com lascas de carvalho

Atualmente, conheço apenas dois produtores que incorporaram cachaças condicionadas em lascas de madeira aos seus portfólios: a Weber Haus, com sua Primavera Amburana e Primavera Carvalho Americano, e a Engenho Nobre, com a recém-lançada Nobre Xaxado, do produtor e mestre de adega Murilo Coelho.

“O chip vem como um complemento de técnica, e ele não pode ser o principal recurso do produtor. Se você entender o chip como solução única você está indo mais para uma bebida mista do que uma cachaça de verdade”

Murilo Coelho, da Engenho Nobre

Murilo compartilhou, com a transparência de quem busca sempre o aprendizado, os detalhes de seu processo. Em uma primeira etapa, realizou testes em garrafas de vidro, explorando o tempo, a quantidade de lascas de carvalho e os diferentes perfis de madeira (tipo de carvalho e tosta). Durante essa fase, descobriu que descansar os fragmentos de madeira na cachaça a 42% por algumas horas antes da maceração final era essencial. O uso da madeira sem esse tratamento, como constatou, conferia ao destilado uma intensidade indesejada.

Com a receita já ajustada em pequena escala, Murilo levou o experimento para dornas de inox, onde macerou chips de carvalho francês “high toast” da ISC (NG.466F) em uma cachaça previamente envelhecida por um ano em barris de amburana de 300 litros. Inicialmente, ele utilizou um sachê com os chips, deixando-os em maceração por alguns dias. Segundo Murilo, menos de uma semana já é suficiente para que as lascas liberem todo o seu potencial no destilado. Ainda assim, insatisfeito com o resultado, ele decidiu deixar as lascas de carvalho soltas na dorna por mais dois dias, intensificando a percepção de amadeirado.

Xaxado, uma dança popular do nordeste brasileiro, foi amplamente praticada pelo cangaço, incluindo o famoso grupo de Lampião e Maria Bonita. A cachaça Nobre Xaxado é uma homenagem de Murilo à cultura nordestina e ao lendário casal cangaceiro. Embora conhecidos pela força bruta, Murilo deseja, com sua Xaxado, destacar o lado cultural e a expressividade popular do cangaço, traços que refletem a essência do destilado brasileiro.

Apresentacao do Grupo de Danca Xaxado Xaxado, a versão com lascas de carvalho francês da Engenho Nobre

Degustação da Engenho Nobre Xaxado

Lote: 01

Teor Alcoólica: 40%

750ml

R$ 150 – comprar direto com produtor

A cachaça Nobre Xaxado apresenta uma cor âmbar-claro e lágrimas moderadas. No aroma, inicialmente, percebe-se o perfume de bombom recheado com licor de cereja, seguido por sutis toques de baunilha e flores brancas. Há também uma rica presença frutada, com nuances de alcaçuz e especiarias, principalmente canela. A amburana é o elemento predominante, mas o carvalho francês se manifesta de forma delicada, trazendo uma suave baunilha e um leve toque tostado.

Em termos de corpo, a cachaça se apresenta de médio para encorpado, com uma textura licorosa que preenche o paladar de maneira envolvente. O primeiro impacto é de salivação, que logo evolui para um final seco, caracterizado pela presença dos taninos, uma contribuição dos chips de carvalho francês. No paladar, surgem notas leves de baunilha, seguidas por castanhas, nuances florais e um toque de especiarias como canela e cardamomo. Uma sutil lembrança de pão doce também se faz presente, completando o conjunto.

O final é de intensidade média, começando com um toque adocicado, mas rapidamente evoluindo para um desfecho seco, onde os taninos aparecem, acompanhados por uma leve nota de bala de canela.

Eu já conhecia bem o trabalho de Murilo com a amburana e sempre considerei um dos grandes méritos do produtor a capacidade de, mesmo utilizando barris relativamente novos e pequenos, criar uma amburana de alta bebabilidade, sem ser enjoativa. Quem conhece essa madeira brasileira sabe que ela pode conferir um dulçor intenso e especiado, que domina toda a boca – uma característica que costuma dividir opiniões: ou se ama ou se evita. Alguns apreciam essa intensidade, enquanto outros nem chegam a passar do aroma.

“Os fragmentos incorporam cor, aroma e sabor, mas dependem de uma boa base e de uma boa técnica. Meus consumidores compram a cachaça porque conhecem meu trabalho como mestre de adega, por isso acho que essa solução pode ser interessante para quem tem curiosidade em saber como essas inovações podem ser usadas para criar boas cachaças”.

Murilo Coelho, mestre de adega da Engenho Nobre

Nos seus blends, como na Engenho Nobre Umburana Sensações, Murilo Coelho demonstra sua habilidade como mestre de adega ao domar essa madeira brasileira a amaciando com jequitibá-rosa e carvalho. Na Engenho Nobre Xaxado, o princípio é o mesmo, mas desta vez ele inova com o uso de lascas de carvalho francês, trazendo uma nova técnica à mesa.

Como crítico e especialista em destilados, estou entusiasmado com o potencial que novas técnicas e ingredientes podem trazer para a cachaça. Sem dúvida, sob a orientação de habilidosos mestres de adega, o uso de fragmentos de madeira promete ser uma excelente novidade para os apreciadores do destilado brasileiro.

cachaça engenho nobre xaxado
Apesar de ter uma base envelhecida por um ano em amburana, no rótulo não deve aparecer a expressão envelhecida ou premium quando se usa fragmentos, e deve constar: “acondicionada com lascas de carvalho francês”.

Em 2010, Felipe Jannuzzi fundou o Mapa da Cachaça, premiado projeto cultural com reconhecimento internacional e a principal referência sobre cachaça no mundo. Felipe é um dos sócios fundadores da Espíritos Brasileiros, empresa pioneira no mercado de produção de gin no Brasil, responsável pelo premiado Virga, primeiro gin artesanal brasileiro e o único no mundo que leva doses de cachaça na receita. Desde 2021, é um dos sócios da BR-ME, empresa especializada em produtos brasileiros, como vinhos, cafés, azeites, queijos e chocolates.

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