Não me considero um colecionador de cachaça. Aprendi, há muito tempo, que garrafas vazias contam histórias muito mais interessantes do que garrafas lacradas e imaculadas em uma estante. No entanto, acompanhar o mercado da cachaça nas últimas duas décadas me proporcionou o privilégio de reunir algumas raridades dignas dos mais apaixonados colecionadores de relíquias destiladas.
Entre essas raridades, guardo uma Paratiana Prata engarrafada em 2009, de uma época em que o produtor o Carlos José Gama Miranda ainda fermentava seu mosto com leveduras selvagens e armazenava suas pratas em tonéis de amendoim. Hoje, Casé incorporou as leveduras CA-11 ao processo de fermentação e mudou a madeira utilizada na sua Prata.
“A gente tinha muito pouco tonel de amendoim, apenas dois de mil litros, enquanto tínhamos 12 tonéis de jequitibá-rosa de 700 litros. Passei a fazer minha Prata em outra madeira, primeiro porque gostei do resultado e, segundo, porque precisava de maior capacidade de armazenamento para atender à demanda crescente.”
Casé, produtor da cachaça Paratiana
Desde 2005, o produtor de Paraty optou por envelhecer sua Paratiana Prata em tonéis de jequitibá-rosa. A cachaça armazenada no amendoim ficou reservada para blends, como a Paratiana 4 Madeiras – uma composição criada para celebrar os 20 anos da destilaria, combinando jequitibá-rosa, canela-sassafrás, amburana e amendoim.
Interessante notar que a cachaça Prata, antes apenas armazenada, passou a ser considerada envelhecida devido ao uso de tonéis menores de jequitibá-rosa. De acordo com a legislação brasileira, uma cachaça é classificada como envelhecida quando maturada em barris de, no máximo, 700 litros.




Além da mudança na madeira, a antiga Paratiana armazenada em amendoim tornou-se ainda mais rara devido a uma exigência do Ministério da Agricultura para retira-la de circulação. O motivo? A presença da expressão “destilado simples de cana” no rótulo, algo que vai contra as normas regulatórias. Se você tem uma dessas na prateleira, saiba que possui um item valioso, um pedaço da história da Paratiana e da famosa cidade produtora de cachaça de alambique.
Fiel ao meu princípio de que cachaças devem ser abertas e compartilhadas, por mais raras e valiosas que sejam, decidi abrir minha Paratiana Amendoim e contar para vocês minha análise sensorial.

A cachaça foi produzida em 2005 e engarrafada em 2009. Ela tem 43,5% de álcool e é armazenada em tonéis de mil litros de amendoim, uma das últimas a passar exclusivamente pela madeira brasileira na famosa destilaria de Paraty.
Com lágrimas e rosário longos, com uma coloração amarelo-pálido. No nariz, sobressaem notas de casca de laranja, garapa e rapadura, acompanhadas por um leve toque de funcho. Na boca, tem baixa acidez e sensação picante discreta, com textura untuosa e um perfil vegetal bem equilibrado. O retrogosto é marcante, trazendo o dulçor da cachaça e uma característica interessante que dá um bom contraste: ela traz um toque salgado perceptível ao passar a língua pelos lábios. A Paratiana Amendoim é uma típica cachaça de Paraty, que apesar da presença da madeira, tem o protagonismo da cachaça branca.
Quem visitar a destilaria no bairro da Pedra Branca, em Paraty – uma das experiências turísticas da cachaça mais completas do Brasil, com tour pela produção, empório, museu e o excelente restaurante Casa Paratiana – também poderá conferir as novas barricas adquiridas. Entre elas, Casé voltou a investir em tonéis de amendoim.



Recentemente, encontrei um tonel antigo de amendoim. Desmontei, limpei, raspei e fiz uma torra leve. O resultado foi maravilhoso! No final do ano, vamos lançar uma série especial de diferentes madeiras, entre elas uma nova Paratiana Amendoim.
Casé Gama Miranda
Por mais que seja um rótulo especial, que não fará parte do catálogo permanente, fico feliz em ver a Paratiana retomando sua cachaça no amendoim. Para mim, cachaças armazenadas ou envelhecidas nessa madeira representam muito bem o terroir de Paraty, favorecendo a expressão da cachaça sem mascarar as características das boas branquinhas. Vamos aguardar essa e outras novidades, e trazer mais detalhes até seu lançamento no final de 2025.

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Em 2010, Felipe Jannuzzi fundou o Mapa da Cachaça, premiado projeto cultural com reconhecimento internacional e a principal referência sobre cachaça no mundo. Felipe é um dos sócios fundadores da Espíritos Brasileiros, empresa pioneira no mercado de produção de gin no Brasil, responsável pelo premiado Virga, primeiro gin artesanal brasileiro e o único no mundo que leva doses de cachaça na receita. Desde 2021, é um dos sócios da BR-ME, empresa especializada em produtos brasileiros, como vinhos, cafés, azeites, queijos e chocolates.
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